7/27/2010

Caso Perdido I

Analisemos uma das minhas favoritas do Paulinho: Caso Perdido.
A música foi lançada no LP Eu Canto Samba, de 1989.
Um samba lindo, com uma harmonia maravilhosa...

Veja no YouTube: Caso Perdido (se alguém souber como mostrar os vídeos direto, por favor me explique, por enquanto só consigo direcionar um link...)

A música está em Ré maior, e eu fiz um pequeno diagrama de quatro em quatro compassos para você acompanhar:


Muito bem, vamos do ponto número 1, que é a introdução ao piano...
De cara começamos com um subdominante, fato comum em introduções do samba, pense no "caix caix caix" de Tiro ao Álvaro, de Adoniram Barbosa. Na verdade a introdução desta música tem a mesma estrutura harmônica, só que um pouco mais sofisticada. Se você tentar cantar o "caix caix caix" nessa valsa ao piano, dá certinho, pode tentar!
De fato, G6 é o quarto grau na tonalidade de Ré maior, nossa convidada de hoje. Subdominante sem dúvida.
O segundo acorde é que já é o "tchan" da música. Esse Bb7/Ab pode ser analisado distraídamente como dominante secundário de Eb, ou dominante substituto de A7 (que pelo menos está na tonalidade). Mas a real é que o papel dele é substituir o Gm6 (que seria um dos acordes mais lógicos e comuns para continuar a progressão harmônica). Beleza, mas... Para um Bb substituir um Gm6, não teria que ser o Bb7M??? Ahá! Esse acorde, na minha opinião, é um dos poucos empréstimos realmente "modais" que se usam no samba. Se você calcular, o Bb7 (que no nosso caso está invertido com a sétima no baixo) seria o terceiro grau certinho de um G Frígio. E veja que o baixo (Ab) é exatamente a segunda menor de G, intervalo caracterísitico do modo Frígio. Eu uso esse tipo de empréstimo quando faço a introdução de "Formosa" (Badem/Vinícius) nos shows do Caxangá, meu grupo de samba que toca semanalmente em Curitiba, mas sinceramente eu não lembro de onde que tirei, e recentemente que vi essa progressão na música do Paulinho...
Logo após, a lógica domina: D6/9 é a tônica da história, e logo o Bb7 reaparece, com a mesma função...
Para fechar a introdução, nada mais simples: II - V - I - VI, a cadência do povo! (Em - A7 - D - Bm)

OK, vamos parar por aqui, pois preciso tocar uns sambas do Paulinho (entre outros) no show do Caxangá, daqui a pouco...
Vou montando as análises em partes, pra não ficar muito cansativo.
Por enquanto a nossa novidade é o acorde de empréstimo modal frígio. O que você achou dele? Você sente a diferença entre esse e o segundo acorde de outros sambas (como "Tiro ao Álvaro")???
Se você precisar de explicações mais simples, pode pedir! Tipo: que cadência do povo é essa???
Meu intuito é de ser o mais claro possível para todos, OK?
Grande abraço e boas análises!

7/23/2010

Músico de baile



Fiquei algumas semanas enclausurado no escritório com violão na mão tirando os intermináveis repertórios das bandas de baile e de um projeto de live dj que estou participando... Ambos servirão para animar festas de classe média-alta independente de seus motivos. Portanto você já sabe que estou falando de axé, sertanejo, YMCA e similaridades...
O processo é chato, coloco o repertório para escutar de vez em quando sem intenção de tirar nada. Depois parto para a anotação dos tons e formas, e depois escuto cada uma com cuidado para tirar todas as guitarras e violões e coisas semelhantes com certo perfeccionismo.
Não é só porque eu gosto de dançar (mas não consigo), mas o repertório atual tem me ensinado muita coisa importante.
A primeira delas é o TIMBRE. Até o músico popular estudar bem arranjos, o timbre é um elemento que é deixado de lado nos estudos. No meu caso foi assim, pelo menos. Com o repertório de DJ's e bailes de formatura e casamentos, fui obrigado a tirar centenas de estilos diferentes de se tocar guitarra e violão. Enquanto eu vivia no samba e no jazz, a minha alegria era a harmonia, o cabo, a guitarra e o amplificador.
Agora não só voltei a tocar a minha saudosa Ibanez RG, assim como adquiri uma pedaleira Boss GT-10, que é o máximo! A diversidade de timbres que preciso ter acesso em rápidas "pedaladas" é impressionante. E principalmente as opções timbrísticas que essa pedaleira dá, é impressionante... Desde pré-amps incrivelmente legítimos, equalizadores paramétricos e gráficos, efeitos clássicos como chorus, flanger, ambientações com váááárias opções de parâmetros, distorções perfeitas (pelo menos nas que consegui mexer)... Além de um sintetizador, que você pode misturar alguns tipos de onda e criar o som que bem desejar, fazendo com que a guitarra se torne um sintetizador. Inclusive se você toca duas cordas ao mesmo tempo o efeito se peida todo, porque só consegue emitir um dos sons levados eletronicamente à pedaleira, o que acontece com os sintetizadores (achei o máximo!).


Além disso, o trabalho com o DJ me dá um espaço que eu nunca tive, o de trabalhar com produção de música eletrônica... Ainda não comecei a idéia, mas estou louco pra começar este projeto, pois o trabalho de criação com os elementos tecnológicos mais atuais me estimula muito, gosto muito das possibilidades!

Em breve estarei criando alguma coisa nesse sentido.
Você que está acompanhando a Caderneta Musical e quiser trocar figurinhas, fique à vontade para opinar sobre os temas que coloco aqui. Ficarei feliz em discutir e comentar as opiniões de todos, para todos.

Por enquanto é só, jogando uma conversa fora...
Muito obrigado pelos comentários, fico muito feliz em saber que pessoas tão importantes para mim estão acompanhando este espaço! Prometo que tentarei ser mais produtivo!
Em breve mais algumas análises técnicas!
Tenham todos um bom fim de semana!

6/09/2010

Paulinho da Viola



Bom, em primeiro lugar, muito obrigado a todos que comentaram e mandaram uma mensagem de força pra manter esse blog ativo. Juro que vou me esforçar para que isso aconteça!

Em 2008 comecei uma pesquisa sobre algumas questões estilísticas e técnicas sobre a música de Paulinho da Viola. A pesquisa é pouco mais que um arquivo de uma das coisas que mais gosto e costumo fazer: analisar e transcrever músicas.

Por que o Paulinho? Sinceramente não sei... Me indentifico muito com a música dele, apesar de nem conhecê-la tão bem (escutei poucos discos com cuidado). Na época também percebi que não havia nenhum trabalho de transcrição da obra dele, então eu estava num caminho ainda não desvendado (o que é ótimo para um trabalho acadêmico).

De qualquer forma, eu não tinha muita noção dos benefícios que uma pesquisa com esse propósito poderia me trazer e também trazer aos outros. Volta e meia continuo alguns estudos sobre suas músicas, e sempre saio impressionado com a conclusão de que ele é um compositor e intérprete sem igual. Pra mim, perceber essas coisas minuciosamente é uma das grandes alegrias de ser um músico "estudado".

Pessoalmente, simplesmente tirar os acordes de violão de qualquer samba é um baita estudo e vantagem no trabalho, já que um dos meus principais trabalhos é arranjar e tocar guitarra para o grupo Caxangá, grupo de samba que toca aqui em Curitiba (falo mais desse trabalho numa próxima oportunidade). Entender bem a música do Paulinho então, é um belo avanço na carreira.

Hoje peguei uma bela gripe e fui obrigado a cancelar todos os compromissos, o que me deixou com tempo pra brincar mais um pouco com a idéia da pesquisa. Tirei o CD "A Dança da Solidão" do armário e botei pra tocar junto. Depois de "passar" o CD com o violão, achei que seria divertido começar a transcrever algumas músicas. Isso me deu uma nostalgia da época da pesquisa, além de alegria e um pouco de stress.

Transcrever Paulinho significa "ajeitar" o cara na partitura. Acho interessante começar a pesquisa por aí, porque já de cara você conhece o lado intérprete do pesquisado, além do teu ao tentar colocar no papel ritmos e ornamentos vocais simplesmente impossíveis de serem transcritos com exatidão.

Como meu orientador André Egg me orientou na época, melhor era se limitar à análise harmônica, o que tenho feito e meio que fiz no próprio trabalho, mesmo sem reconhecer.

Apesar da dificuldade, as características pessoais na harmonia do Paulinho vão aparecendo aos poucos. Analisando "Guardei Minha Viola", vi mais uma vez uma coisa bastante comum nos trabalhos mais antigos. Os "erros" de notas entre harmonia e melodia, que sempre geram muita discussão entre eu e alguns amigos ao tocar Paulinho e/ou alguns sambas antigos.

O "erro" é a melodia do trecho em que ele canta: "Guardei meu violão, não toco mais"
Na palavra em vermelho, ele canta um lá natural, enquanto que o acorde que sustenta a harmonia no momento é um F#7, ou seja, ele canta uma terça menor onde só existiria terça maior. Não dá pra argumentar que é nota de passagem, ela precede um intervalo de sexta menor. Também não dá pra dizer que é tempo fraco, são notas sincopadas e ela tem a mesma duração que as outras (duas semi-colcheias) e aparece bem na melodia. Além disso não é a primeira vez que vejo esse tipo de erro nas músicas do Paulinho.

O interessante é que neste caso, o intervalo de segunda menor não é nem um pouco evitado, diferente de todos os outros casos que já analisei. O violão está bem na frente na mixagem e ataca o acorde com a terça maior bem clara no mesmo momento em que Paulinho canta o "meu" em lá natural. É que normalmente o violão fica bastante atrás na mixagem, e não é raro achar sambas em que não dá pra saber se um acorde é menor ou maior com sétima (dominante secundário - pra quem manja). Mas enfim, é a vida...

Tá aí uma curiosidade legal sobre a música de Paulinho da Viola.

Em geral não há nada de incomum na harmonia da música. Além do clássico VI7 - II7 - V7 - I no refrão e VI7 - IIm7 - V7 - I da estrofe, o G#7 aparece pra chamar a cadência do fim, que é a parte comentada anteriormente.

Quem quiser dar uma olhada na minha pesquisa pode ir lá na FAP e ler o trabalho encadernadinho e tudo. Vou dar um jeito de disponibilizar na net também, mas isso fica pra outra hora, pois a sopa tá fervendo na panela.

Guardei Minha Viola - clique para escutar e preste atenção no trecho comentado.

Um abraço a todos!

5/31/2010

Imagine



Inspirado pelos meus amigos blogueiros DJ Cabelo, André Egg e Mari Cioffi, resolvi voltar ao mundo dos blogs, cheio de idéias na cabeça (cabeça nas nuvens) e tentando colocar os pés no chão para conseguir manter o hábito de postar ao menos uma vez por semana.
Estive pensando em muitas coisas, como gravar vídeos semanais tocando e compondo com bons amigos, falar de teoria musical, experiências em bares e palcos diversos, discussões sobre estética, harmonia e gente que fez e faz muito por aí. Como esse blog foi inaugurado há algum tempo com um propósito bem aberto, tudo isso que pensei se encaixa, então vamos indo com calma que não trocarei os pés pelas mãos.
Para o primeiro post - não o oficial, mas o temático - vou falar de um velho hábito que volta e meia acabo retomando, o de escutar e me informar sobre os Beatles. Vi uma propaganda na TV com a música Imagine (Lennon - você conhece) e acabei escutando a música noite adentro, procurando vídeos e tocando junto.
The Beatles e principalmente John escreveram um capítulo surreal na história da música e do mundo. É impressionante o impacto que fazem até hoje suas canções, fotos, vídeos, letras e produtos em geral. "Imagine" mesmo é um hino que deveria ser cantado e lembrado todos os dias, por todos. Não há o que dizer, a letra é simples e a música também, daquele jeitinho que só ele sabia fazer.
Para mim, "Imagine" lembra das minhas funções como músico e como cidadão, como minhas emoções e atitudes são o mais importante, e que devo sempre estar atento a isso.
Vou deixar o clip de "Imagine" para você também lembrar e se emocionar. Preste atenção no semblante de John, na minha opinião uma das coisas mais impressionantes do mundo pop, o olhar sempre afiado, sério, irônico (não nesse caso), mesmo nas aparições mais antigas dos Beatles. Impressionante como ele fala direto, claro, sem dancinhas e nem mesmo uma dicção perfeita.

Imagine

Deixo também uma música emocionante de seu parceiro Beatle, o Paul. Here Today é uma homenagem ao falecido amigo, e uma mensagem de carinho atrasada que - como o próprio Paul costuma dizer - sempre deixamos de fazer na hora certa.

Here Today

Em 8 de dezembro de 1980, John foi assassinado em Nova York, em frente ao prédio em que morava (Dakota) por Mark David Chapman quando retornava do estúdio de gravação junto com a mulher, Yoko Ono. Paul Goresh (fotógrafo amador) fotografou as últimas imagens de Lennon antes de sua morte, no mesmo dia. O mais incrível é que uma dessas fotos mostra o ex-Beatle autografando o álbum de um fã, que logo depois seria seu famoso e odiado assassino...



O Dakota foi um local onde John se "escondeu" para compor algumas músicas, num período muito intimista e solitário do compositor. Aqui você pode escutar algumas das gravações caseiras feitas pelo músico em sua residência:

Dakota

3/14/2009

Caderneta

Olá, caro leitor! (Se é que você um dia irá existir!)
Inauguro este blog sem nenhum motivo planejado, porém gostaria de dizer que ele pretende ser parte de minha arte, e tudo o que puder ser exposto aqui de minha parte, será.
Um início sem assunto e sem espectador, um péssimo início... Porém mais uma porta se abre neste mundo virtual insano, e farei o melhor para que ela seja de utilidade a todos que se dispuserem a usufruí-la.
O nome Caderneta Musical impõe certos limites às discussões e sugere também um grande espaço a ser explorado na área musical e literária. Porém não sugere que os assuntos tratados aqui serão desta natureza, e sim que qualquer assunto possa ser ligado ao discernimento artístico (meu e de meus possíveis leitores participativos).
Até a próxima!